terça-feira, 2 de julho de 2013

Conheça as suas raízes

Por que muitas mulheres sofrem com comportamentos que não aprovam, e não têm forças para sair de um ciclo abusivo?


Por Jeane Vidal / Fotos: Demétrio Koch, Marcos A. Silva e Cedidas
clea.vidal@arcauniversal.com

Alguma vez você já se perguntou  de onde vêm seus medos, complexos e inseguranças?
Para responder a essa pergunta é preciso, antes de tudo, entender as raízes do passado.  "A maioria das pessoas não sabe que  por trás da sua maneira de pensar, de agir, existe uma raiz", explicou a escritora e apresentadora Cristiane Cardoso (foto abaixo, à esquerda), na palestra "Raízes: entendendo o passado para mudar seu futuro", realizada neste domingo, 30, no Cenáculo da João Dias, em São Paulo, e transmitido por vídeoconferência para todo o País.
"Quando você não conhece a raiz, você não entende por que faz certas coisas. Normalmente você pensa que é o seu jeito, que, simplesmente, nasceu assim. Mas a verdade é que você faz isso por causa das raízes. Ninguém nasce tímido, ninguém nasce com medo. Mas, ao longo da vida, você vai desenvolvendo certas coisas que acabam influenciando em tudo –  no casamento, na família, nos filhos, nas amizades –, e você acaba sendo prejudicada e não sabe. Você pensa que é diferente das outras pessoas", explicou.
Assim aconteceu com Márcia Pires (foto abaixo, à direita). Devido às muitas raízes do passado, ela se tornou uma mulher insegura, complexada e sem o mínimo de autoestima.
Márcia é fruto de uma "amizade colorida". Sua mãe havia se desquitado e, para suprir a carência emocional, decidiu engravidar de um amigo.
Quando nasceu, embora, a mãe já tivesse sua independência financeira, ainda morava com os pais. Com isso, Márcia acabou sendo criada pelos avós.
Primeira raiz: medo de errar
Já naquela idade, ainda muito criança, Márcia passou a alimentar o pensamento de que morava de favor. Além disso, entendia que de maneira nenhuma poderia causar qualquer tipo de decepção para os avós, que já haviam se decepcionado muito com a filha – desquitada e mãe solteira – um escândalo e uma vergonha para a família, na época.
Márcia sempre recebera muito amor e carinho da parte dos avós. Eles davam a ela o melhor. Entretanto, todas as expectativas que antes depositavam na filha, transferiram para a neta, por isso ela sentia pressionada a buscar sempre a perfeição.
Segunda raiz: sentimento de rejeição
Quando Márcia tinha 8 anos de idade, a mãe comprou um apartamento e decidiu se mudar sem a filha, por não querer tirá-la da companhia dos avós.  Embora visitasse a menina com frequência e suprisse todas as suas necessidades materiais, na cabecinha da criança, ela havia sido rejeitada pela mãe. Márcia não falava, mas, mais do que qualquer coisa, ela queria a companhia da mãe, e foi justamente isso que lhe foi tirado. Então, escondida em seu quarto, chorava.
Terceira raiz: abuso e culpa
Aos 12 anos, ainda morando com os avós, Márcia foi abusada sexualmente por uma pessoa muito próxima à família. Alguém por quem sua mãe tinha muita consideração.  E não foi uma única vez.  Durante um ano inteiro, Márcia foi abusada por esse homem. E ela se calava, pois além de ter em mente que não podia decepcionar os familiares,  temia pela vida do avô. "Se seu avô souber, ele vai morrer do coração", dizia o agressor, para intimidá-la.
Agora não era mais a carência da mãe que sentia. Era ressentimento. Márcia a culpava por todo aquele sofrimento, pois acreditava que se a mãe não a tivesse rejeitado, todo aquele sofrimento teria sido evitado.
Para se ver livre daquela situação, aos 13 anos, Márcia começou a trabalhar. Procurava perfeição em tudo que fazia. Na escola, era a primeira da sala.
Daquele sentimento de rejeição, outras raízes foram brotando dentro dela. Ela se sentia incapaz de agradar a alguém.
“Essas raízes foram colocadas pelos comportamentos em casa. Às vezes você não está falando para a criança: “Você não devia ter nascido!”, “Você foi um erro da mãe!”, mas dá a entender isso com comentários, reclamações, agressões.  A criança vai absorvendo aquilo e vai criando raízes”, esclareceu Cristiane.
O fato de os avós cobrarem de Márcia um comportamento exemplar, lançou sobre ela um peso sobre o qual não tinha estrutura emocional e psicológica para suportar, tendo em vista a carência afetiva que sentia devido à ausência da mãe e à falta de uma estrutura familiar.
“Eu cresci com aquela responsabilidade de nunca decepcionar os meus avós. Eu tinha medo de fazer alguma coisa errada e ser chamada à atenção. Na minha cabeça, qualquer coisa que fizesse estaria trazendo um problema para eles”, lembrou Márcia.
Toda essa vulnerabilidade emocional contribuiu para que o agressor cometesse o abuso.  Márcia não tinha a liberdade, comum às crianças, de conversar com os pais sem reservas. Ela não tinha essa comunicação. Com Márcia era diferente. Ela “devia” ser perfeita – pelo menos em sua cabeça.
"A pessoa que é abusada normalmente se sente culpada. Ela sente que contribuiu para que aquilo acontecesse", ressalta Cristiane. E era exatamente o que acontecia com Márcia. "Na minha cabeça, as pessoas iam falar: ‘O que você fez que provocou isso?’ Então eu não queria dar essa decepção aos meus avós", explicou Márcia.
Não contava para ninguém o que se passava na vida dela, e ninguém nunca percebeu ou desconfiou. Guardava tudo. Aprendeu a fingir e a cada dia se fechava mais. E, ao contrário da maioria que entra em depressão, quando se vê em situações como essa, Márcia se sobressaía em tudo que fazia. No trabalho, nos estudos, e em tudo que se dispusesse a fazer.
Amigos? Não tinha.  Ela não tinha o que oferecer. Quem iria se interessar em ser sua amiga ou amigo? Era assim que pensava. “Eu achava que ninguém nunca iria se aproximar de mim pelo que eu era”, lembra. “Para ter amigos na escola, eu passava cola; no lugar das minhas tarefas, eu fazia as tarefas dos meus colegas para poder conquistar aquela amizade”.
No trabalho era a mesma coisa. As pessoas se aproveitavam do fato dela sempre estar disposta a ajudar, e por isso a exploravam. Márcia explica que “quando você não se valoriza, vende para as pessoas a imagem de como você se vê”.
“Olha só como as raízes determinam a sua vida!”, observou Cristiane. “Às vezes  a pessoa fica reclamando: “Eu não acredito em amor, não acredito em amizade, mas, muitas vezes,  ela está fazendo alguma coisa para ganhar esse tipo de comportamento”, argumentou a apresentadora.
O ciclo abusivo
Aos 17 anos, trabalhando numa multinacional, ganhando um ótimo salário e fazendo faculdade, Márcia conheceu um rapaz e começaram a namorar. Ela, que se sentia incapaz de despertar o interesse de alguém, quando o viu demonstrando um sentimento por ela a ponto de ter crises de ciúmes, ficou encantada.
Contudo, não demorou para ele perceber que ela não se valorizava. A partir daí, começou o ciclo de abuso.
Até então, Márcia nunca havia tido alguém  para dividir seus traumas, suas frustrações, seus medos e inseguranças. Mas agora, ela finalmente havia encontrado uma pessoa que a “amava de verdade” – acreditava. Então, abriu o coração. Contou tudo que estava havia muito tempo guardado – inseguranças, complexos, traumas –, inclusive o abuso sofrido na infância.
Ele tinha um ciúme doentio. Ela, por sua vez, achava tudo aquilo maravilhoso, afinal nunca ninguém havia gostado dela daquela maneira.  E assim, não percebia o abuso emocional que sofria.  O ciúme era tanto que ele a seguia, e as brigas eram frequentes.  Nessas discussões,  ele jogava na “minha cara todo o passado de abuso.”
Certo dia, numa discussão familiar, onde mãe e filha se agrediram fisicamente, Márcia, instigada pelo namorado, contou para a mãe sobre o abuso que sofrera. A mãe, contudo, não acreditou.  Revoltada, ela saiu de casa e foi morar sozinha, o que a fez ainda mais dependente do seu novo abusador: o namorado.
Não bastasse o abuso emocional e verbal que sofrera, agora ela iria enfrentar o abuso físico. Não foram poucas as vezes em que Márcia foi trabalhar com marcas no rosto e no corpo devido às agressões físicas que sofria.
“Muitos criticam quando veem mulheres se submeterem a situações assim. Mas é preciso entender o porquê que ela aceita. Porque não conseguem usar a razão e chegar à conclusão de que aquele relacionamento está fazendo mal. Como é difícil para muitas mulheres que estão presas a relacionamentos assim!”, observou Cristiane.
"É  uma dependência emocional afetiva", explica Márcia. "Você pensa que é amor, mas é uma paixão. Você está ali sofrendo, mas você pensa assim: ruim com ele, pior sem ele."
"Veja como as raízes atrapalham a pessoa", reforçou Cristiane. "Ela não consegue enxergar uma coisa que está à sua frente."
Ele a agredia, a traía, e ela se sentia cada vez pior. Não por causa das traições e agressões, mas pela constatação de que não era capaz sequer de manter aquele relacionamento.
Mesmo trabalhando como secretária executiva, Márcia havia aberto várias lojas com o namorado. Enquanto ela trabalhava fora, ele ficava nas lojas, embora, a administração fosse feita por ela.
Com o passar do tempo, os negócios começaram a ruir, as lojas fecharam e ela teve que assumir as dívidas sozinha. Até fome passou.
Belo Horizonte (MG)
O fim do ciclo
Assim chegou à Universal. Aos 22 anos, falida, cheia de dívidas e doente.  E lá sua vida foi completamente transformada. Antes disso, porém, por muito tempo hesitou em ir à igreja porque acreditava que Deus também a havia rejeitado, devido a tantas escolhas erradas que fizera ao longo da vida. "Quando  passei a entender que Ele não me rejeitou, que Ele havia me escolhido, foi quando comecei a acreditar que podia ter uma vida melhor".
Venceu os traumas, foi curada e terminou aquele relacionamento que a fazia dependente. "Eu venci isso, enxerguei que aquilo não era o que Deus queria para mim. E como ele [o então namorado] não queria mudar, comecei a cuidar da minha vida, e cresci espiritualmente".
“Mas como obter essa mudança? Qual a diferença entre o que você  ouviu de Deus  para o que os profissionais, como psicólogos e terapeutas dizem?”, questiona Cristiane.
"Eu comecei a acreditar em mim mesma. Você pode ir ao psicólogo, você pode ir à igreja, você pode ouvir a Palavra de Deus, mas se você não estiver disposta a acreditar, sua vai nunca vai mudar. Você precisa tomar uma decisão. Mas sozinha você não consegue. Foi permitindo Deus atuar na minha vida que Ele foi me mudando", responde Márcia.
Entendendo as raízes
Foi nesse processo de crescimento espiritual que ela pôde perceber e entender as raízes. O porquê do seu complexo de inferioridade, da necessidade de agradar às pessoas e por que se via feia. "E nesse processo, você não consegue perdoar se não tiver a força de Deus", ressalta Márcia.
"É uma coisa espiritual", completou Cristiane. "Quando você está numa situação que não consegue se desligar e conectar com o ideal, é porque você está precisando da ajuda de Deus".
Ao chegar à Universal,  Márcia entendeu que ainda que resolvesse todos os seus problemas não seria o suficiente.  Ela precisava saber quem era, porque havia crescido sem identidade. "E isso Deus me deu quando ouvi pela primeira vez que Ele me valorizava. Os nossos pensamentos vão mudando e a gente vai tendo paz".
Perdoou a mãe e seus abusadores. "É difícil você, sozinha, conseguir isso, mas Deus lhe dá condições. É uma decisão, não é sentimento", enfatiza.
Casou com um homem de Deus. Está casada há 22 anos e vive feliz. Faz a Obra de Deus na África e ajuda a milhares de mulheres que sofrem ou já sofreram  com a violência doméstica.
Márcia é uma Raabe, e esse também é o nome do projeto criado para dar apoio psicológico e emocional às mulheres vítimas de violência doméstica.
“Raabe era uma prostituta. Mas um dia ela teve a oportunidade de mudar de vida. Ela creu e por isso mudou a história da vida dela.  Ela ouviu falar de Deus. Quando os espias foram espiar a terra, foram exatamente onde ela morava e se esconderam lá. Você acha que foi coincidência esses homens irem exatamente à casa daquela mulher?", reflete Cristiane.
"Deus mandou esses homens até ela justamente para lhe dar uma oportunidade para sair daquela vida. E Deus também quer fazer o mesmo com você. Mas, para isso, é preciso você querer", finalizou.
Raabe quis. E você?

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